segunda-feira, 28 de julho de 2008

Cinco Princípios Da Democracia Na Escola

João Monlevade

A escola brasileira tem uma história de elitismo, de seleção excludente e de autoritarismo. Os colégios jesuíticos da Colônia tinham muita qualidade, mas excluíam os negros, selecionavam os índios – aproveitando e aprovando os “obedientes” – e aos brancos e mamelucos destinavam uma cultura elitista, apropriada para governantes e burocratas, civis e eclesiásticos.

As aulas régias de Pombal, embora buscassem metodologias menos retrógradas, reforçaram a elitização da clientela e submeteram os mestres à Santa Inquisição.

As escolas públicas do Império e da República, até hoje, ou excluem na matrícula ou reprovam na avaliação, fabricando uma perpétua evasão e reforçando a desigualdade e a estratificação social. Contra estas tendências seculares, vicejou a rebeldia de alguns, e se conquistou um crescente ingresso do povo na escola – a chamada “democratização do acesso”. Hoje, mais de noventa por cento dos brasileiros de seis a dezesseis anos estão matriculados em escolas, na maioria públicas.

E a democratização das relações dentro da escola, a democratização da gestão, como está?

Aqui se distinguem governos autoritários e governos populares, embora, em ambos, o cotidiano se faça nas relações que acontecem dentro da escola, entre professores, alunos, diretores, funcionários, pais... O norte está dado pelo art. 206 da Constituição Federal, detalhado pelo art.3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: “gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”.

Enumero aqui cinco princípios para a construção legal e existencial desta prática nova: a democracia na vida escolar.

1. Gestão Democrática supõe ruptura com práticas autoritárias, hierárquicas e clientelísticas. Por isto, a eleição de diretores, embora não constitua a essência da gestão democrática, tem sido o sinal histórico para distinguir o “tempo autoritário” do “tempo democrático”. Mas não é a eleição eivada de populismo e de outros vícios que ajuda a democracia. Ela precisa ser disciplinada, para ser uma prática pedagógica de aprendizado da cidadania democrática. E tem que ser acompanhada de práticas administrativas do sistema que se adeqüem a uma nova forma – democrática – de decidir, de governar, de ordenar, de avaliar.

2. Gestão Democrática é participação dos atores em decisões e na avaliação. Talvez o ideal fosse fazer da assembléia geral escolar o órgão máximo deliberativo. Mas, no dia-a-dia, temos que construir um Conselho Escolar competente e viável, onde todos os segmentos estejam presentes e operantes, gerando e acumulando um novo e influente poder: o poder escolar. Professores, funcionários, alunos, pais e direção passam a ser um colegiado que se reúne ordinariamente e vai propondo e avaliando o Projeto Político-Pedagógico da escola, que na nova LDB ganhou substancial importância.

3. Gestão Democrática supõe representação legítima dos segmentos. A direção, embora eleita, representa o Estado. Os pais representam, autenticamente, os pais e mães, superando aquela ambigüidade das Associações de Pais e Mestres. Professores e funcionários representam seus pares na escola, levando as posições de suas entidades de trabalhadores da educação. E os alunos? A representatividade dos alunos deve somar à sua condição de “educandos”, enturmados na base da escola, liderados por “representantes de classe”, a prática de uma organização política mais ampla, em grêmios livres e associações municipais e estaduais, nem sectárias, nem partidarizadas.

4. A Gestão Democrática da escola se baliza pelo Projeto Político-Pedagógico da Escola. São os objetivos e metas da escola, referenciada à sociedade do conhecimento, que unem o Conselho, que presidem as eleições, que direcionam as decisões e práticas de seus atores. O professor e o funcionário precisam abdicar de seu corporativismo; os pais precisam superar seu comodismo; os alunos precisam conquistar o exercício de sua liberdade de aprender: de aprender ciência, de cultivar a arte, de praticar a ética. Não abrir mão de seus dias e horas letivos, que lhes garantem o direito de crescer na cultura e no saber. Embora a Proposta Pedagógica deva ser cientificamente assessorada pelos profissionais da educação, ela deve ser elaborada e avaliada por toda a comunidade escolar, presidida pelo Conselho.

5. Gestão Democrática da escola se articula com administração democrática do sistema de ensino. Enquanto a Divisão Regional ou outros órgãos intermediários continuarem vivendo de práticas burocráticas, a Secretaria de Educação de atitudes baseadas em hierarquias com mais ou menos poder, o MEC de resoluções olímpicas e desencarnadas, a gestão democrática nas escolas estará asfixiada. E, acima de tudo, a transparência e disponibilização de recursos financeiros deve ser o combustível do cotidiano da democracia na escola. O foco de qualquer descentralização de verbas – para merenda, para livros didáticos, para manutenção e outros gastos – deve ser a escola (não o diretor ou diretora), alimentando o Conselho Escolar na viabilização de suas idéias e decisões. Só assim se chegará ao exercício final da democracia escolar: a autonomia, pela qual a escola pública alcançará sua maioridade política e pedagógica.


Nota:

Professor aposentado da UFMT e consultor legislativo do Senado Federal

SALTO PARA O FUTURO / TV ESCOLA

http: www.tvebrasil.com.br/salto

Nenhum comentário: